Anna Bella Geiger (Rio de Janeiro, 1933) vive e trabalha no Rio de Janeiro


Expoente da arte brasileira e global, Anna Bella Geiger tem uma carreira que compreende sete décadas, desde 1960 até à atualidade. Sua trajetória acompanhou o desenvolvimento institucional das artes no Brasil, e também do mercado da arte brasileiro e sua internacionalização. Geiger, filha de imigrantes judeus poloneses, estudou com a artista polaco-brasileira Fayga Ostrower no início de sua trajetória artística. Em 1953, participou da 1ª Exposição nacional de arte abstrata ao lado de Ivan Serpa, Antonio Bandeira, Lygia Clark e Lygia Pape. Após o estudo com Ostrower, artista de vertente abstrato-geométrica, expandiu sua produção artística nas décadas subsequentes com um corpo de trabalho diverso em temas e plural em meios, abandonando tendências abstratas com o início da ditadura militar brasileira em 1965. Influenciada pela Nova Figuração, realiza entre 1965 e 1968 sua série “visceral” — termo cunhado por Mário Pedrosa. Esse conjunto de obras abre produção para apropriação e subversão cartográfica, técnicas constantes em sua obra desde então. Na década de 1970, passa a produzir em contato com correntes conceituais, englobando também meios reprodutíveis, como a fotografia, a colagem e o vídeo. Sua obra faz parte das coleções do MoMA, Nova Iorque, Tate Modern, Londres, Victoria and Albert Museum, Londres, MACBA, Barcelona, Museu de Arte Moderna de São Paulo, Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC-USP), entre outras.

A arte produzida por Anna Bella Geiger tem um caráter dicotômico, contrastante e fronteiriço. Sua obra tem uma forte potência crítica, e desafia definições geopolíticas hegemônicas, constituindo uma obra diversa e consistente. Com a série visceral, seu trabalho adquire completude ao extrair formas de órgãos humanos e colocá-los em evidência e contraste contra o fundo monocromático — alusão à violência do regime ditatorial. Geiger assume naquele momento a investigação das formas em contraposição aos seus significados atribuídos. Ao subverter a leitura e o conteúdo das cartografias ela desafia noções culturais de centro e periferia. Através de suas reflexões visuais, Anna Bella desenvolveu uma poética contemporânea do espaço. Pela inviabilização da leitura objetiva dos mapas, acabou também por liberar o conhecimento crítico pelo qual se é possível adquirir uma nova leitura do mundo. Com a série Retratos (1970), a artista consolida a pujança crítica de sua obra e reflete a herança colonial brasileira, por exemplo, com a fundamental obra Brasil Nativo/Brasil Alienígena (1977), a qual congrega a reflexão entre os âmbitos da arte, história e ciências sociais.


EN

A key figure in both Brazilian and global art, Anna Bella Geiger's career spans seven decades, ranging from 1960 to the present day. Her career has parallelled the institutional development of the arts in Brazil, as well as the Brazilian art market and its internationalization. Geiger, the daughter of Polish Jewish immigrants, studied with the Polish-Brazilian artist Fayga Ostrower at the beginning of her artistic career. In 1953, she took part in the 1st National Abstract Art Exhibition alongside Ivan Serpa, Antonio Bandeira, Lygia Clark, and Lygia Pape. After studying with Ostrower, a geometric abstract artist, she expanded her artistic production during the subsequent decades with a body of work that is diverse in terms of both its themes and form, abandoning her abstract tendencies during the start of the Brazilian military dictatorship in 1965. Influenced by New Figuration, between 1965 and 1968 she produced her visceral Series, a term coined by Mário Pedrosa. This body of work paves the way for appropriation and cartographic subversion, techniques that have been a constant in her work ever since. In the 1970s, she began to produce her work in dialogue with the conceptual waves of the time, also incorporating reproducible forms of media, such as photography, collage, and video. Her work is included in the collections of the Museum of Modern Art in New York; the Tate Modern, Victoria, and Albert Museums in London; the MACBA in Barcelona; the Museu de Arte Moderna de São Paulo; and Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC-USP); among others.
The art produced by Anna Bella Geiger is characterized by dichotomies, contrast, and edge. Her work has a strong critical voice and challenges hegemonic geopolitical constructs, coming together to produce a diverse, rigorous oeuvre. In the Visceral Series, her composition achieves completeness by extracting shapes from human organs and placing them both in focus and contrast against a monochrome background: an allusion to the violence of the dictatorial regime. It was then that Geiger began investigating forms in opposition to their assigned meanings. By subverting the reading and content of cartographies, she challenges cultural notions of both the center and the periphery. Through her visual reflections, Anna Bella Geiger developed a contemporary poetics of space. By rendering an objective reading of maps unfeasible, it also opened the door to critical knowledge, making it possible to see the world in a new way. With the series Retratos (Portraits) (1970), Geiger wielded the critical strength of her work to reflect on Brazil's colonial heritage, for example in her quintessential work Brasil Nativo/Brasil Alienígena (Native Brazil/Alien Brazil) (1977), which brings together reflections from the academic fields of art, history, and social sciences.

Antonio Dias 
[Campina Grande, Paraíba, 1944 — 
Rio de Janeiro, 2018]


Originário de Campina Grande, Antonio Manuel Lima Dias começa a sua carreira após mudar-se para o Rio de Janeiro em 1958. Na capital do estado, estuda com Antonio Goeldi no Atelier Livre de Gravura da Escola Nacional de Belas Artes. Na mesma época, sua trajetória cruza com as dos artistas do Grupo Frente, que influenciam sua obra. Em 1965 participa de duas exposições emblemáticas, a Opinião 65 e a 4ª Bienal de Paris. Após sua participação na exposição francesa, recebe uma bolsa de estudos do governo francês e passa a residir na Europa pelos anos subsequentes, primeiro em Paris e depois em Milão. Em 1967, participa da exposição Science Fiction, na Kunsthalle Bern, curada por Harald Szeemann. Dias reside em Nova Iorque em 1972 após receber apoio da Fundação Guggenheim. Cinco anos mais tarde, em 1977, viaja ao Nepal e pesquisa técnicas tradicionais de produção de papel. Na década de 1980, participa da 39ª Bienal de Veneza e da 16ª Bienal de São Paulo e na década seguinte tem estadias prolongadas na Europa em razão do seu professorado na Academia de Belas Artes de Salzburgo, na Academia Estatal de Belas Artes de Karlsruhe e nos Ateliers Arnhem, nos Países Baixos. Em 2010 retorna ao Rio de Janeiro dedicando-se especialmente à pintura. Suas obras fazem parte de diversas coleções ao redor do mundo, como, Museu de Arte Moderna de São Paulo, Daros Latinamerica Collection, Zurique, Museum of Modern Art, Nova Iorque, Museum Ludwig, Colônia, entre outros, e continuam a ser revisitadas no contexto nacional e global.

Os trabalhos de Antonio Dias apresentam-se não somente como um conjunto de obras, mas, dão-se a ver também, como processo. No período inicial de sua carreira na, década de 1960, sua estética foi influenciada pela Pop Art e Neofigurativismo brasileiros, realizando obras críticas a ditadura militar brasileira. Ao morar na Europa, entre 1967 e 1970, torna-se consciente das dinâmicas da arte, do problema da transculturação — termo cunhado por Luiz Camnitzer — e ao conceito de espaço da contemporaneidade, termo desenvolvido por José Rezende e Ronaldo Brito. Essa consciência o propulsiona a um período de reflexão do qual a obra Anywhere is my Land (1968) e a série The Illustrations of Art (1971-1975) são frutos. Na primeira, o próprio título opera na tautologia e implica um paradoxo entre nacionalismo e internacionalismo. A partir de 1970, influenciado por Joseph Kosuth, seus trabalhos passam a inscrever-se no conceitualismo e constituem a passagem ao pós-vanguardismo em sua obra. As proposições de Dias exigem, como sugeriu Paulo Sergio Duarte, “um olho no que está exposto e outro no problema formulado”. Seu trabalho também questiona a satisfação dos sentidos e recebe o objeto artístico inacabado enquanto obra final. Após morar no Nepal, Dias incorpora as técnicas nepalesas de celulose artesanal à sua obra e, com isso, cria um corpo de trabalhos com pigmentos e texturas especiais como a série Trama (1977) e as obras Niranjanirakhar (1977) e Chapati for seven days (1977). Sua prática estende-se sobre diversos meios e formatos, mesclando características conceituais às tendências minimalistas e, paralelamente, une reflexão e crítica através do medium, trabalhando a dicotomia arte/sociedade.

EN

Originally from Campina Grande, Antonio Dias began his career after moving to Rio de Janeiro in 1958. In the capital, he studied with Antonio Goeldi at the Free Engraving Studio of the National School of Fine Arts. At around the same time, he crossed paths with artists from the Grupo Frente, who also influenced his work. In 1965, he took part in two major exhibitions, Opinião 65 and the 4th Paris Biennale. Following his participation in the French exhibition, he received a grant from the French government and lived in Europe during the subsequent years, first in Paris and later in Milan. In 1967, he took part in the Science Fiction exhibition at the Kunsthalle Bern, curated by Harald Szeemann. Dias moved to New York in 1972 after receiving support from the Guggenheim Foundation. Five years later in 1977, he traveled to Nepal to research traditional papermaking techniques. In the 1980s, he participated in the 39th Venice Biennale and the 16th São Paulo Biennale. During the following decade, he spent extended periods of time in Europe teaching at the Salzburg Academy of Fine Arts, the Karlsruhe State Academy of Fine Arts, and the Arnhem Ateliers in the Netherlands. In 2010, he returned to Rio de Janeiro, dedicating himself primarily to painting. His works are part of several collections worldwide, including the Museum of Modern Art in São Paulo, the Daros Latinamerica Collection in Zurich, the Museum of Modern Art in New York, and the Museum Ludwig in Cologne, among others. They continue to be revisited both nationally and globally.
Antonio Dias' works are not only a collection of pieces, but a manifestation of his process. During the early phase of his career in the 1960s, his aesthetic was influenced by Brazilian Pop Art and Neo-Figurativism, producing works that criticized Brazil’s military dictatorship. While living in Europe between 1967 and 1970, he became aware of the dynamics of art; the problem of transculturation, a term coined by Luiz Camnitzer; and of the space of contemporaneity, — a concept developed by José Rezende and Ronaldo Brito. His newfound awareness triggered a period of reflection, which resulted in works like Anywhere is my Land (1968) and the series The Illustrations of Art (1971-1975). In the former work, the title itself plays with the idea of tautology and implies a paradox between nationalism and internationalism. From 1970 onward, influenced by Joseph Kosuth, his works became part of conceptualism and marked the transition to post-avant-gardism in his art. Dias' compositions demand, as Paulo Sergio Duarte suggested, “one eye on what is exposed and the other on the problem formulated.” His work also challenges the notion of sensory satisfaction and embraces the unfinished artistic object as a final artwork. After living in Nepal, Dias incorporated Nepalese handmade cellulose techniques into his Œuvre, creating a body of work with unique pigments and textures, such as the Trama series (1977), the pieces from Niranjanirakhar (1977), and Chapati for Seven Days (1977). His practice extends across various media and formats, blending conceptual characteristics with minimalist tendencies, thus combining reflection and criticism across his various mediums and challenging the dichotomy between art and society.

Beatriz Milhazes 
[Rio de Janeiro, 1960]
vive e trabalha no Rio de Janeiro



Beatriz Ferreira Milhazes é uma das artistas brasileiras mais celebradas atualmente. Nascida no Rio de Janeiro em 1960, ela se formou em Comunicação Social e também estudou na Escola de Artes Visuais do Parque Lage entre 1980 e 1983. Sua obra surge no contexto do retorno à pintura dos anos 1980, e por conseguinte, participou da exposição histórica Como vai você Geração 80?, em 1985. Milhazes passa a expor na Europa e nos Estados Unidos, na década de 1990. De 1994 à 2008, produziu cenografias para peças de dança. Seu trabalho foi exibido na 24ª e 26ª Bienais de São Paulo, curadas por Paulo Herkenhoff em 1998 e Alfons Hug em 2004, respectivamente. Hug também foi o curador responsável pela sua participação na 50ª Bienal de Veneza, em 2003. Em 2004, após desenhar o cenário de Tempo de Verão, para o qual produziu um elemento semelhante a um lustre, Milhazes passa a produzir peças tridimensionais em sua obra. Em 2020 teve sua exposição solo Beatriz Milhazes: Avenida Paulista no MASP, e em 2024 a Bienal de Veneza teve uma seção inteira dedicada à sua obra, ambas curadas por Adriano Pedrosa. Seus trabalhos integram as coleções mais importantes do mundo.

O trabalho de Beatriz Milhazes continua o legado antropófago da arte brasileira. Sua produção se estabelece em uma posição única e distinta entre os cânones da América Latina, e os do Ocidente e apresenta as preocupações inerentes da pintura abstrata, desde as cores vibrantes de Henri Matisse até a estrutural composição de Piet Mondrian. O fundo de suas telas também se relaciona com as obras de modernistas abstratos como František Kupka, Paul Klee e Fernand Léger. Influenciada especialmente pela música – da ópera à tropicália – Milhazes desenvolve sua prática no âmbito da “espontaneidade coreografada”. As formas em suas telas, suas listras, linhas, arredondados e espirais formam uma estrutura pulsante e carregam suas telas com um ritmo estático, paradoxal e eficiente em sua proposta. A linguagem desenvolvida por ela é inspirada pela dicotomia entre arte institucionalizada e cultura popular presente no Brasil. Inclui também cerâmicas, joias, decorações de carnaval e a arquitetura colonial barroca. Mesmo que já usasse a técnica da colagem em suas pinturas, é só a partir do final dos anos 1980, que Beatriz Milhazes desenvolve a sua própria técnica de transferência de tinta. Esse novo método lhe garante liberdade na criação de suas próprias formas. Adicionalmente, essa técnica apaga o gesto do pincel e o vestígio do artista na pintura, criando uma tela congelada no tempo.

EN

Beatriz Milhazes is one of the most celebrated Brazilian artists today. Born in Rio de Janeiro in 1960, she earned a degree in Communication, also having studied at the Parque Lage School of Visual Arts from 1980 to 1983. Her work emerged during the return to painting in the 1980s, and as a result, she participated in the historic exhibition Como vai você Geração 80? in 1985. Milhazes began exhibiting in Europe and the United States in the 1990s. From 1994 to 2008, she produced set designs for dance pieces. Her work was exhibited in the 24th and 26th São Paulo Biennials curated by Paulo Herkenhoff in 1998 and Alfons Hug in 2004, respectively. Hugs also was the curator responsible for her participation in the 50th Venice Biennale, in 2003. In 2004 after designing the set for Tempo de Verão, for which she produced an element that resembled a chandelier, Milhazes started producing three-dimensional pieces in her works. In 2020, she had her solo show Beatriz Milhazes: Avenida Paulista at MASP (São Paulo Museum of Art), and in 2024, the Venice Biennale had an entire section dedicated to her work. Both shows were curated by Adriano Pedrosa. Her works are part of the most important collections in the world.

Beatriz Milhazes' work continues the anthropophagic legacy of Brazilian art. Her production method is located in a unique, distinctive position between the canons of Latin America and the West. It exhibits the tensions inherent in abstract painting, from the vibrant colors of Henri Matisse to the structural composition of Piet Mondrian. The background compositions present in her pieces also reference the works of abstract modernists, such as František Kupka, Paul Klee, and Fernand Léger. Especially influenced by music, ranging from opera to tropicália, Milhazes develops her practice within the realm of choreographed spontaneity. The shapes on her canvases, their strokes, lines, roundness, and spirals form a pulsating structure that charges her works with a static rhythm, paradoxical and efficient in its composition. The language she has developed is inspired by the dichotomy between institutionalized art and folk cultural manifestations, a distinction that is very present in Brazil. She also references ceramics, jewelry, carnival decorations, and baroque colonial architecture. Although she began incorporating collage into her earlier work, it wasn't until the late 1980s that Beatriz Milhazes developed her own paint transferring technique. This new method gave her freedom by allowing her to create her own shapes. Additionally, this technique erases the gesture of the brushstroke and the trace of the artist within the painting, thus creating a canvas frozen in time.


Emiliano Di Cavalcanti  
[Rio de Janeiro, 1897 — 1976] 


Emiliano Augusto Cavalcanti de Albuquerque e Melo é um dos fundadores do modernismo no Brasil e nome de suma importância na arte brasileira. Carioca, nascido em 1897, Emiliano Augusto Cavalcanti de Albuquerque e Melo adotou, desde cedo, o nome artístico Di Cavalcanti. Iniciou sua trajetória profissional em 1914 como caricaturista e ilustrador. Em 1916, cursou a Faculdade de Direito do Rio de Janeiro por um ano antes de mudar-se para São Paulo, por conta do mercado de trabalho. No ano seguinte, começa a cursar a Faculdade de Direito do Largo São Francisco, mas também não conclui o curso. Entre 1918 e 1921, foi diretor e ilustrador da revista Panóplia, e também contribuiu com suas ilustrações para os livros de Sérgio Milliet, Guilherme de Almeida, Ribeiro Couto e Mário de Andrade, entre outros. Em paralelo, estudou pintura com o pintor alemão George Fischer Elpons, desenvolvendo sua técnica. Di Cavalcanti teve um papel sine qua non na organização da Semana de Arte Moderna de 1922, atribuindo a si mesmo a ideia de sua realização. Entre 1923 e 1925, vive em Paris e entra em contato com os vanguardistas da cidade: Pablo Picasso, Fernand Léger, Henri Matisse e Jean Cocteau. Também foi à Itália e conheceu a pintura renascentista italiana. Ao retornar ao Brasil, em 1925, passa a “conhecer sua terra”, voltando sua atenção ao popular. Aos subúrbios: às pessoas, favelas, festas, botecos e bordéis. Em 1932, filia-se ao Partido Comunista e sofre perseguições. Di foi preso duas vezes por conta de sua atuação política, e, por essa razão, deixa o Brasil em 1936 e vive em Paris até a eclosão da Segunda Guerra Mundial, em 1939. Nos anos seguintes, continua a pintar e na década de 1950, foi convidado a criar painéis e murais, compondo a nova arquitetura moderna em ascensão no país. Entre 1958 e 1971, realiza uma pluralidade de obras de escala monumental em Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro, dentre elas, as tapeçarias do Palácio da Alvorada, o painel do Congresso e o mural do teatro Cultura Artística. Em 1971, tem a maior retrospectiva de sua carreira no Museu de Arte Moderna de São Paulo, com 476 obras.

Pintor, ilustrador, caricaturista, gravador, muralista, desenhista, jornalista, escritor e cenógrafo, Di Cavalcanti explorou não somente diversos meios, mas também teve diferentes fases dentro de sua pintura. No início, suas composições possuem tons ocre e sombras marcantes que intensificam o desamparo de suas personagens. Esses elementos pictóricos ampliam a caracterização de seus motivos, que incluem: a prostituta, a cafetina, o pianista, o bêbado, o vagabundo, o e mendigo, por exemplo. Essas características e personagens compõem sua fase penumbrista, e deram a ele o título de “menestrel dos tons velados”, alcunha dada por Mário de Andrade. Após retornar ao Brasil, em 1925, passa a empregar componentes festivos em suas pinturas, focando nos sambas e morros, transformando o seu estilo com as influências europeias de Pablo Picasso, André Lhote, Fernand Léger e George Grosz. Di Cavalcanti denominou esse período de “realismo mágico”. Sua atenção volta-se ao subúrbio, zona de mediação entre o centro da cidade e o campo. A predominância dos tons azul e rosa, e a influência da Art Déco neste segundo momento de sua produção pictórica, é notável. Neste período, Di passa a construir a nova brasilidade e também os novos tipos femininos do Brasil moderno.


EN 

Emiliano Augusto Cavalcanti de Albuquerque e Melo is one of the founders of modernism in Brazil and is a figure of utmost importance in Brazilian art. Born in Rio de Janeiro in 1897, Emiliano Augusto Cavalcanti de Albuquerque e Melo adopted the artistic name Di Cavalcanti early on. He began his professional career in 1914 as a caricaturist and illustrator. In 1916, he studied at the Faculty of Law in Rio de Janeiro for a year before moving to São Paulo because of the job market. The following year, he enrolled at the Faculty of Law of Largo São Francisco, but did not complete his studies. Between 1918 and 1921, he was the director and illustrator of the magazine Panóplia, and also contributed his illustrations to the books of Sérgio Milliet, Guilherme de Almeida, Ribeiro Couto, and Mário de Andrade, among others. In parallel, he studied painting with the German painter George Fischer Elpons, further developing his technique. Di Cavalcanti played a sine qua non role in organizing the Week of Modern Art of 1922, attributing the idea of its creation to himself. Between 1923 and 1925, he lived in Paris and came into contact with the city's avant-garde artists, Pablo Picasso, Fernand Léger, Henri Matisse and Jean Cocteau. He also traveled to Italy and got to know Italian Renaissance painting. Upon returning to Brazil in 1925, he began to “know his own land,” shifting his attention towards Folk themes at the time, such as suburbs, people, favelas, festivals, bars, and brothels. In 1932, he joined the Communist Party and faced persecution. Di Cavalcanti was imprisoned twice due to his political activities, which led him to leave Brazil for Paris in 1936, where he remained until the outbreak of the Second World War in 1939. In the years that followed, he continued painting, and in the 1950s, he was invited to create panels and murals, contributing to the new modern architecture that was on the rise in the country. Between 1958 and 1971, he created numerous monumentally sized works in Brasilia, São Paulo, and Rio de Janeiro, including the tapestries of the Alvorada Palace, the panel of the National Congress, and the mural of the Cultura Artística Theater. In 1971, he had the largest retrospective of his career at the Museum of Modern Art in São Paulo, which included 476 works.

Painter, illustrator, caricaturist, engraver, muralist, draftsman, journalist, writer and set designer, Di Cavalcanti not only explored different forms of media, but also had different phases in his painting. In his early work, his compositions have ochre tones and striking shadows that intensified the sense of abandonment in his characters. These pictorial elements enhanced the characterization of his subjects, which included the prostitute, the madam, the pianist, the drunkard, the vagabond, and the beggar, among others. These features defined his pensive phase, which earned him the title of the Minstrel of Veiled Tones from Mário de Andrade. After returning to Brazil in 1925, he began incorporating more festive elements into his paintings, focusing on dance and hillsides, and transforming his style through the European influence of Pablo Picasso, André Lhote, Fernand Léger, and George Grosz. Di Cavalcanti referred to this period as Magical Realism. His attention turned to the suburbs, the mediation zone between the city center and the countryside. This second phase of his work is marked by a striking predominance of blue and pink tones, as well as the influence of the Art Deco movement. It was during this time that Di Cavalcanti began shaping a new Brazilian identity and redefining the female figures of modern Brazil.


Glauco Rodrigues 
[Bagé, Rio Grande do Sul, 1929 — 
Rio de Janeiro, 2004]


Original de Bagé, Rio Grande do Sul, Glauco Otávio Castilhos Rodrigues começou a pintar como autodidata em 1945. Em 1949, tem aulas com o pintor José Moraes e estuda na Escola Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro por três meses. Funda o Clube de Gravura de Bagé, em 1951, com Glênio Bianchetti e Danúbio Gonçalves. Na mesma época, faz parte do Clube de Gravura de Porto Alegre, fundado por Carlos Scliar e Vasco Prado. Muda-se para o Rio de Janeiro e passa a atuar como ilustrador na revista Senhor, em 1958. Viveu em Roma de 1962 a 1965, onde produziu trabalhos abstrato-informais e, em 1964, participa da XXXII Bienal de Veneza junto com Abraham Palatnik, Almir Mavignier, Frans Krajcberg e Tarsila do Amaral. Inspirado pelo contato com esses artistas, retorna ao Rio de Janeiro e se dedica à investigação e produção ao redor de motivos nacionais. Em sua nova morada, entrou em contato com os artistas da cidade, como Carlos Vergara e Rubens Gerchman, entre outros. Em 1966, participou da exposição Opinião 66, a qual expôs a nova Objetividade Brasileira, apresentando os expoentes da Pop Art brasileira. Rodrigues teve reconhecimento e atenção de muitos críticos locais, dentre eles Luis Fernando Verissimo, Roberto Pontual, Frederico Morais e Ferreira Gullar. Mais recentemente, também ganhou atenção internacional, atraindo o interesse do crítico suíço Simon Njami e do curador francês Nicolas Bourriaud. Após algumas décadas sem o devido reconhecimento, por conta da supervalorização de matrizes abstrato-geométricas, a redescoberta de sua produção se deu com a exposição O Universo Gráfico de Glauco Rodrigues, curada por Antônio Cava. Em 2019, uma sala dedicada à sua obra foi apresentada na Bienal de Istambul, curada por Nicolas Bourriaud.

Glauco Rodrigues construiu uma obra de fato “brasileirista e antropófaga”, compromisso declarado em seu manifesto. Ao comprimir diversos tempos e diferentes “Brasis” em uma só obra, para o crítico suíço Simon Njami “suas obras são uma perfeita ilustração da antropofagia e tudo o que ela engloba”. Elas contribuem para a bastardização das culturas do Brasil, por meio da união destas — ao mesmo tempo que resolvem o medo purista da miscigenação cultural. Rodrigues organizou com rigor projetual a mis-en-place de cada obra. A cena com diversos tipos brasiliensis toma forma sobre o fundo monocromático. A fotografia também foi fundamental em seu método de criação e permitiu a captação de seus motivos e a junção desses em uma mesma tela. Temas e mitos congregam e formam a imagem do Brasil contemporâneo em sua pintura através da mesclagem de elementos como “carnaval, futebol, índio, negro, religião, política, lendas, praia. Sol, a flora e a fauna, o regional, e o nacional, o passado e o presente, a própria imagem, a de Glauco inclusive”, como definiu Frederico Morais em 1986. A deglutição antropófaga que ocorre em sua pintura digere tempos, movimentos artísticos e cultura nacional e assim recepciona a complexidade brasileira por meio do ato de engolí-la por inteiro.


EN

Originally from Bagé, Rio Grande do Sul, Glauco Rodrigues began painting as a self-taught artist in 1945. In 1949, he took lessons from painter José Moraes and studied at the National School of Fine Arts in Rio de Janeiro for three months. He founded the Bagé Printmaking Club in 1951 with Glênio Bianchetti and Danúbio Gonçalves. Around the same time, he joined the Porto Alegre Printmaking Club, founded by Carlos Scliar and Vasco Prado. He moved to Rio de Janeiro and began working as an illustrator for Senhor magazine in 1958. He then lived in Rome from 1962 to 1965, where he produced abstract informal works. In 1964, he took part in the 32nd Venice Biennale alongside Abraham Palatnik, Almir Mavignier, Frans Krajcberg, and Tarsila do Amaral. Inspired by his contact with these artists, he returned to Rio de Janeiro, and dedicated himself to the research and production of national motifs. In his new home, he came into contact with artists from the city, among them Carlos Vergara and Rubens Gerchman. In 1966, he participated in the exhibition Opinião 66, which presented the Nova Objetividade Brasileira (new Brazilian objectivity), showcasing the leading figures of Brazilian pop art. Rodrigues gained recognition and attention from many local critics, among them Luis Fernando Verissimo, Roberto Pontual, Frederico Morais, and Ferreira Gullar. More recently, he also gained international recognition, attracting the interest of Swiss critic Simon Njami and French curator Nicolas Bourriaud. After the few decades that followed without his due recognition due to the overvaluation of geometric abstract movements, his work was rediscovered during the exhibition O Universo Gráfico de Glauco Rodrigues (The Graphic Universe of Glauco Rodrigues), curated by Antônio Cava. In 2019, a room was dedicated to his work at the Istanbul Biennial, curated by Nicolas Bourriaud.

Glauco Rodrigues built a body of work that was truly “Brazilianist and anthropophagic,” a claim he made in his manifesto. By compressing different time periods and multiple “Brazils” into a single work, Swiss critic Simon Njami stated, “his works are a perfect illustration of anthropophagy and everything it encompasses.” They contribute to the bastardizing of Brazil's multitude of cultures, and in the act of uniting them, all the while calming purist fears of cultural miscegenation. Rodrigues rigorously organized the mise-en-place of each of his works. The scenes he creates featuring various types of Brasiliensis, take shape against a monochromatic background. Photography was also a fundamental piece of his creative practice, allowing him to capture subjects and bring them together within a single painting. Themes and myths come together to form an image of contemporary Brazil in his canvas. Frederico Morais described it as a mix of, “carnival, soccer, Indians, blacks, religion, politics, legends, beaches. Sun, flora and fauna, the regional and the national, the past and the present, the image itself — including that of Glauco,” back in 1986. The anthropophagic deglutition that takes place in his paintings digests eras, artistic movements, and national culture, thus embracing the complexity of Brazil through the act of swallowing it whole.

Jorge Guinle 
[Nova York, Estados Unidos, 1947 — 
Rio de Janeiro, 1987]


Um dos maiores contribuintes para a pintura brasileira e figura chave da Geração 80, Jorge Guinle Filho nasceu em Nova Iorque e viveu no Rio de Janeiro até 1955. Mais tarde mora em Paris e, posteriormente, Nova Iorque até 1965, quando muda-se para o Rio de Janeiro novamente. Até o momento em que se estabelece na antiga capital do império, Guinle já havia passado mais da metade de sua existência no exterior. Nos seus 7 anos de produção artística, criou um legado expressivo e obteve reconhecimento, sendo convidado para participar de três das cinco Bienais de São Paulo da década de 1980: a 17ª edição em 1983, a 18ª em 1985 e a 20ª em 1989. Também participou de inúmeras mostras individuais e coletivas. Guinle foi um dos mais fundamentais colaboradores na exposição Como vai você Geração 80?, Escola de Artes Visuais do Parque Lage, Rio de Janeiro e escreveu para o catálogo, contribuindo para o firmamento teórico do grupo.
Exímio colorista e realizador de uma pintura energética, solar e distintivamente positiva, Jorge Guinle Filho mudou permanentemente o panorama da pintura brasileira. Sua capacidade de reinterpretar as qualidades da pintura abstrata presente em outros países nas décadas de 1970 e 1980 constituiu uma obra ímpar, destacando-o entre os seus contemporâneos brasileiros. Sua pintura materializa não apenas influências matissianas e picassianas das vanguardas modernistas europeias, mas também os melhores elementos das expressões pictóricas surgidas na Europa e América do Norte nas décadas anteriores. Suas cores são díspares às do neoexpressionismo norte americano, e das propostas abstratas europeias como as do grupo alemão Die Wilde e italiano transvanguardia. Seu gesto compositivo expressa “uma agitação feroz e bem-humorada” como notou o crítico Ronaldo Brito. Espirituosos, os títulos de suas obras exercem a função de adicionar ao dinamismo de suas pinceladas e unem o fluxo de ideias à fluidez de suas composições. Por sua vez, suas investidas cromáticas compuseram pela contiguidade e sobreposição — parte de sua técnica positiva, produzida através da adição de elementos e camadas. Guinle nunca fazia esboços para suas pinturas, sua técnica organizava-se através do gesto, através do qual apreendia as ideias e os seus redores na pintura, promovendo “um permanente estado de apreensão”, nas palavras de Christina Bach.

EN

One of the most significant contributors to Brazilian painting and a key figure of the Geração 80 movement, Jorge Guinle, was born in New York and lived in Rio de Janeiro until 1955. He later resided in Paris, and then in New York until 1965, at which point he moved back to Rio de Janeiro. By the time he settled in the former imperial capital, Guinle had already spent more than half of his life abroad. During just seven years of artistic production, he built up an impressive legacy and gained critical recognition through being invited to take part in three of the five São Paulo Biennials of the 1980s: the 17th edition in 1983, the 18th, in 1985 and the 20th in 1989. He also took part in numerous solo and group exhibitions. Guinle was one of the most fundamental contributors to the exhibition Como vai você Geração 80? (How Are You, Geração 80?), at the School of Visual Arts at Parque Lage, Rio de Janeiro and wrote a portion of the exhibition catalog, contributing to the group's theoretical foundation.

A masterful colorist and the creator of an energetic, solar, and distinctly positive painting practice, Jorge Guinle Filho permanently changed the landscape of Brazilian painting. His ability to reinterpret the qualities of abstract painting present in other countries in the 1970s and 1980s set his work apart, distinguishing him among his Brazilian contemporaries. His paintings materialize not only Matissian and Picassian influences from the European modernist avant-garde, but also some of the most striking elements of the pictorial expression that emerged in the previous decades in Europe and North America. His use of colors are markedly different from those of American Neo-Expressionism and European abstract movements, such as the German group Die Wilde and Italian Transvanguardia. His compositional gestures expressed “a fierce and humorous agitation,” as critic Ronaldo Brito noted. The witty titles of his works add to the dynamism of his brushstrokes and unite his flow of ideas with the fluidity of his compositions. In turn, his colorful strokes were composed through contrast and overlap – part of his positivistic technique, produced through the addition of elements and layers. Guinle never sketched out his work before paintings. His technique was gestural, which allowed him to grasp both ideas and his surroundings in his paintings, leading to “a permanent state of apprehension,” in the words of Christina Bach.

Manuel Messias 
[Acaraju, Sergipe, 1945 — 
Rio de Janeiro, 2001]


Manuel Messias dos Santos (1945-2001) nasceu em Aracaju, Sergipe, e com cerca de 7 anos chegou ao Rio de Janeiro com sua mãe em busca de melhores condições de vida. Sua infância foi marcada pela memória rural nordestina e a experiência urbana de conviver entre diferentes realidades sociais e econômicas. Sua mãe, personagem central e companheira de toda a vida, trabalhou como empregada doméstica na casa de personalidades da sociedade carioca ligadas ao universo das artes. Esse contato possibilitou que o jovem Messias, que já manifestava habilidade para o desenho, pudesse ter acesso a aulas de arte a partir do início dos anos 1960. O curso livre de Ivan Serpa no MAM Rio foi o estopim para sua identificação como artista e para a sua integração no ambiente cultural da cidade. 

Por incentivo de Serpa e da artista Mirian Inez, Messias se dedicou à xilogravura. Suas obras logo passaram a fazer parte de coletivas, salões e exposições internacionais. A produção dos primeiros anos mostra a experimentação e o amadurecimento de técnicas, com a influência expressionista de artistas como Oswaldo Goeldi e da xilogravura da literatura de cordel. No final dos anos 1960, a elaboração formal de suas obras já revela a consciência dramática que será o aspecto diferencial em suas gravuras. 

Como parte de uma geração que se desenvolveu ao longo dos anos mais duros da ditadura militar, apesar de nunca ter declarado nenhum posicionamento político, Messias incorporou em suas obras a denúncia de um período marcado pelo medo e pelo terror. A série Nossa, feita ao longo da década de 1970, assume uma postura quase panfletária que nos conecta e demonstra, ao mesmo tempo, a violenta face do convívio humano. As obras de formato quadrangular escancaram incongruências da nossa sociedade e os trabalhos verticais apontam a natureza humanitária como elos para uma compreensão mais fraterna. 

Manuel Messias dos Santos é um artista de qualidade e relevância inquestionáveis. Sua vida e obra revelam as marcas das injustiças e dos problemas estruturais brasileiros. Sua trajetória pessoal escancara uma realidade escondida e esquecida às margens, invisibilizada pelo racismo estrutural, pela desigualdade histórica e geográfica e pela nossa incapacidade e desinteresse em viver em harmonia social. Esta exposição, a primeira mostra institucional dedicada à sua obra, nasce da necessidade de reconhecimento e de inclusão definitiva de sua produção na escrita das tantas e tão plurais histórias da arte brasileira.


EN

Manuel Messias dos Santos (1945-2001) was born in Aracaju, Sergipe, and arrived in Rio de Janeiro with his mother at the age of seven in search of a better life. His childhood was marked by memories of rural life in the Northeast and the urban experience of living among different social and economic realities. His mother, a central figure and lifelong companion, worked as a maid in the homes of Rio de Janeiro society figures connected to the arts. This contact enabled the young Messias, who already showed an aptitude for drawing, to have access to art classes from the early 1960s onwards. Ivan Serpa's free course at MAM Rio was the catalyst for his identification as an artist and his integration into the city's cultural environment.

Encouraged by Serpa and artist Mirian Inez, Messias devoted himself to woodcut printing. His works soon became part of collective exhibitions, salons, and international exhibitions. His early work shows experimentation and the maturation of techniques, with the expressionist influence of artists such as Oswaldo Goeldi and the woodcut art of cordel literature. By the late 1960s, the formal elaboration of his works already revealed the dramatic awareness that would be the distinguishing feature of his prints. 

As part of a generation that developed during the harshest years of the military dictatorship, despite never having declared any political position, Messias incorporated into his works a denunciation of a period marked by fear and terror. The series Nossa, created throughout the 1970s, takes on an almost pamphleteering stance that connects us and demonstrates, at the same time, the violent face of human coexistence. The square-shaped works reveal the incongruities of our society, and the vertical works point to humanitarian nature as a link to a more fraternal understanding.

Manuel Messias dos Santos is an artist of unquestionable quality and relevance. His life and work reveal the marks of Brazilian injustices and structural problems. His personal trajectory reveals a hidden and forgotten reality on the margins, made invisible by structural racism, historical and geographical inequality, and our inability and lack of interest in living in social harmony. This exhibition, the first institutional show dedicated to his work, stems from the need for recognition and definitive inclusion of his production in the writing of the many and diverse histories of Brazilian art.

Newton Rezende 
[São Paulo, 1912 — Rio de Janeiro, 1994]


Diretor de arte que virou pintor, Newton Rezende trouxe para sua pintura a linguagem gráfica desenvolvida em sua carreira publicitária. Nascido em São Paulo, em 1912, viveu em orfanatos do primeiro até o oitavo ano de sua vida.  Aos 15 anos de idade aprendeu desenho técnico com o desenhista e litógrafo Italiano Amedeo Piacitelli, com o qual passou a trabalhar, sob sua supervisão. Posteriormente, abriu seu próprio escritório e começou a trabalhar como artista gráfico e publicitário autônomo.

Na década de 1940, mudou-se do Rio de Janeiro para São Paulo e vice-versa um par de vezes, com uma pequena estadia em Buenos Aires em 1946-47. Em 1948, expôs seus desenhos pela primeira vez no Instituto dos Arquitetos do Brasil, mas sua carreira de pintor seguiu com maior vigor após expor no Salão de Arte Moderna, na década de 1950. Em 1970, abandonou totalmente a publicidade e passou a viver em uma fazenda em Colubandê, São Gonçalo, dedicando-se completamente às suas produções artísticas. Seus últimos anos foram repletos de internações hospitalares, até falecer em 1994.

Rezende transmitia à sua pintura o caráter possível da vida. Habitualmente reunia os acontecimentos e pessoas de sua vida às cenas e personagens em suas composições. Através do seu domínio técnico e estético de desenho e pintura, sua obra transcende poeticamente o naif e inventa um novo mundo, com diversos tempos condensados, entre passados e presentes, reais e imaginários. A primazia do desenho oferece corpo e base às suas composições pictóricas. Nelas, encontram-se nuances expressionistas de um lirismo chagalliano. Dentre suas inspirações confessas estavam os artistas plásticos pertencentes à segunda geração modernista paulista Candido Portinari e Clóvis Graciano.

Newton Rezende empregou ferventes cores às suas cenas dinâmicas, as quais compôs também com diversidade técnica, fazendo uso da colagem, de tipografias e do entalhe. Por meio de seus Leitmotiven (figuras condutoras) abordava uma pluralidade de temas que iam desde afetos, à sexualidade, voyeurismo, fetichismo, até preocupações sociais e políticas. Sua pintura pensa o real e o torna visível, construiu-a a partir de entendimentos intuitivos e rápidas impressões do mundo. Rezende compunha simplificando volumes e distorcendo anatomias, desrespeitando representações convencionais de corpos, cores, cenas e panoramas, e através destes gestos, cocriava sucessivamente a realidade com suas obras.

EN

Newton Rezende, an art director turned painter, brought the graphic sensibility he developed in advertising into his artwork. Born in São Paulo in 1912, he lived in orphanages from the first to the eighth year of his life. At 15, he learned technical drawing under the Italian draftsman and lithographer Amedeo Piacitelli, eventually working under his supervision. Later, he opened his own studio and became a freelance graphic artist and advertiser.

In the 1940s, Rezende moved between Rio de Janeiro and São Paulo several times, with a brief stay in Buenos Aires from 1946 to 1947. He first exhibited his drawings in 1948 at the Institute of Architects of Brazil, but it wasn’t until the 1950s—when he showed his work at the Salão de Arte Moderna—that his career as a painter started to take off. In 1970, he left advertising behind entirely and moved to a farm in Colubandê, São Gonçalo, dedicating himself fully to his career as an artist. His later years were marked by hospital stays until he passed away in 1994.

Rezende’s paintings captured the essence of life. He often blended the events and people present in his life with the scenes and characters in his compositions. Through his technical and aesthetic mastery of drawing and painting, his work poetically goes beyond the naïve and creates a new world, where different moments in time are condensed—blending past and present, reality and imagination. His compositions were grounded in strong draftsmanship, often infused with expressionist nuances and a Chagall-like lyricism. Among his acknowledged inspirations were Candido Portinari and Clóvis Graciano, artists from the second generation of São Paulo modernists.

Newton Rezende used vibrant colors in his dynamic scenes, composing them with a variety of techniques, including collage, typography, and carving. Through his leitmotifs (guiding figures), he explored a wide range of themes, from affection, sexuality, and voyeurism to fetishism and social and political issues. His paintings reflect on reality and make it visible, drawing from intuitive insights and quick impressions of the world. Rezende simplified forms and distorted anatomies, disregarding conventional representations of bodies, colors, scenes, and landscapes—in doing so, he continuously created new realities.

Nicolau Facchinetti 
[Treviso, Itália, 1824 – Rio de Janeiro, 1900]



Nascido em Treviso, Itália, Nicolò Agostino Facchinetti, mudou-se para o Brasil em 1848, supostamente por questões políticas. No Brasil, passou a ser conhecido como Nicolau Facchinetti. Já com treinamento em artes antes de sua chegada ao Rio de Janeiro, ele fez parte do grupo de artistas estrangeiros que foram para o Brasil no século XIX. Sua obra constitui uma das maiores contribuições feitas à arte brasileira do período. Contrário aos ideais artísticos defendidos pela Academia Imperial de Belas Artes do Rio de Janeiro na época, Facchinetti trazia em seu trabalho enquanto pintor de paisagem o estilo veneziano, caracterizado pela atenção minuciosa às nuances, rica variedade cromática e composição precisa, sendo capaz de trazer às suas produções detalhes diminutos dos componentes paisagísticos. Por não se ater aos pressupostos neoclássicos, românticos e impressionistas ensinados nas academias de arte de Paris e Florença — tidas como exemplos pelo meio das artes no Brasil da época —, Facchinetti não só construiu uma obra singular, como também contribuiu para a criação da linguagem visual da pintura de paisagem nas Américas. No entanto, a singularidade de sua obra também causou o tardio reconhecimento da Academia Imperial de Belas Artes. Foi apenas em 1865 que a Academia o consagrou com o diploma para lecionar desenho. Em 1869, tornou-se próximo à família real, passando a receber encomendas da princesa Isabel e do Duque de Saxe.

O percurso artístico de Facchinetti acompanha o ampliamento das artes no Brasil durante a segunda metade do século XIX, quando transicionou de uma cena artística articulada pela monarquia a um meio artístico influenciado pela ascensão burguesa. Também dentro de seu fazer artístico estavam cenografias, as quais ele concebia para eventos burgueses, celebrações e produções teatrais, colocando assim a sua arte em um contexto mais conectado com a vida cotidiana e pondo-se em proximidade com a classe burguesa em ascensão. Justamente essa classe burguesa tornou-se a maior incentivadora de seus trabalhos enquanto esperava o formal reconhecimento da Academia Imperial de Belas Artes. Facchinetti também consagrou a arte de souvenir no Brasil, possibilitando a exportação da imagem de suas cidades e, principalmente, do Rio de Janeiro, para o mundo. Detalhes sobre o local, a hora, qualidades da luz e ponto de vista adotado para a criação da pintura eram anotados por ele no verso de suas produções. No mesmo espaço, Facchinetti também fazia respeitosas dedicatórias aos seus clientes, ressaltando seus títulos de nobreza. Esses detalhes permitiram-no criar, com suas telas, não apenas valor artístico, mas também histórico. 
Através da miniaturização presente em suas composições, ele criou paisagens extremamente detalhadas, fidedignas às localidades na época. Através deste método, suas pinturas direcionam a atenção para a cena, atraindo o indivíduo que entra em contato com suas elas.


EN

Born in Treviso, Italy, Nicolò Agostino Facchinetti moved to Brazil in 1848, allegedly for political reasons. In Brazil, he became known as Nicolau Facchinetti. Already trained in the arts before his arrival in Rio de Janeiro, he was part of a group of foreign artists who traveled to Brazil in the 19th century. His work stands as one of the greatest contributions to Brazilian art of that period. Opposed to the artistic ideals promoted by the Imperial Academy of Fine Arts in Rio de Janeiro, Facchinetti’s work as a landscape painter also references the Venetian style at that time, characterized by meticulous attention to nuances, a rich variety of colors, and precise composition, allowing him to bring minute details of different components of the landscapes he depicts into his compositions. By veering away from the Neoclassical, Romantic, and Impressionist principles taught in the art academies of Paris and Florence, which were considered to be the standard in the art world in Brazil at the time, Facchinetti not only developed a unique body of work, but also contributed to the creation of the visual language of landscape painting that developed in the Americas. The distinctiveness of his work, however, led to his delayed recognition by the Imperial Academy of Fine Arts. It was only in 1865 that the Academy awarded him a diploma that allowed him to teach drawing. In 1869, he became close to the royal family, receiving commissions from Princess Isabel and the Duke of Saxe.

Facchinetti's artistic career paralleled the expansion of the arts in Brazil during the second half of the 19th century, which transitioned from being driven by the monarchy to being influenced by the rising bourgeoisie. His artistic work also included stage design, which he conceptualized for bourgeois events, celebrations, and theatrical productions. His connection to the bourgeoisie placed his art in a context more connected to everyday life, and it in turn placed him in close proximity to the rising bourgeois class. It was precisely the bourgeoisie that later became the biggest supporters of his work while he awaited formal recognition from the Imperial Academy of Fine Arts. Facchinetti also established the art of the souvenir in Brazil, making it possible to transmit the image of its cities, most notably Rio de Janeiro, to the world. He recorded details about place, time, lighting, and the vantage point he selected to create each painting on the back of his works. Facchinetti also made respectful dedications to his clients in the same area, oftentimes highlighting their titles of nobility. These details allowed him to create not only artistic, but also historical value with his canvases. By way of the miniaturization present in his compositions, he produced extremely detailed landscapes that were faithful to the locations he depicted at the time. The method used in his paintings directs attention to the scene he is portraying, immediately drawing the viewer in.

Odoteres Ozias
[Eugenópolis, Minas Gerais 1940 — 
Rio de Janeiro, 2011]



Odoteres Ricardo de Ozias nasceu em Eugenópolis, Minas Gerais, filho de humildes trabalhadores rurais. Passou a sua infância e juventude em meio à paisagem da zona da mata mineira, mas viveu a maior parte da sua vida em Duque de Caxias, no Rio de Janeiro. A partir de 1963, trabalhou na Rede Ferroviária Federal S.A., exercendo diferentes funções, como manobrador, bilheteiro, e encarregado de portaria. Foi nesse último cargo que teve o seu primeiro e inusitado contato com a arte: para evitar o sono de horas ociosas na portaria da estação Central do Brasil, começou a desenhar e pintar com materiais que encontrava pelo escritório. Sua atividade despretensiosa chamou a atenção de uma engenheira que solicitou a sua colaboração nas ilustrações do livro Madeiras da Amazônia: identificação de 100 espécies (Rio de Janeiro: RFFSA, 1981). Alguns anos depois, outra engenheira da companhia ferroviária foi responsável por apresentar a produção de Ozias a uma comissão que o selecionou para a trigésima edição da Sala do Artista Popular, programa da Funarte e do Instituto Nacional do Folclore do Rio de Janeiro que realizou a exposição Ricardo de Ozias: pinturas em 1987. A mostra foi fundamental na trajetória de Ozias, tanto por iniciar a institucionalização de sua obra, com a incorporação de três pinturas à coleção do Museu de Folclore Edison Carneiro, quanto por contribuir significativamente para a popularização de suas pinturas, o que lhe motivou a continuar produzindo. 

No final da década de 1980 e ao longo da década seguinte, Ozias participou de dezenas de exposições individuais e coletivas no circuito da arte popular e "naïf", incluindo exposições na Europa, como uma mostra coletiva na embaixada brasileira em Paris e a Trienal Internacional de Arte Naïf I’NSITA 94, na Bratislava. No Rio de Janeiro, foi um dos membros fundadores da CAPA (Casa do Artista Plástico Afro-Brasileiro), associação que atuava no apoio à produção de artistas negros. Naquele momento, as pinturas de Ozias tematizavam principalmente cenas rurais, além de algumas representações urbanas e religiosas. Um homem muito devoto (foi pastor de seu próprio templo da Assembleia de Deus nas décadas de 1970 e 1980), Ozias veio a produzir um contingente volumoso de pinturas com um sincretismo próprio e intensamente figurativo, que mescla signos do catolicismo e protestantismo, incluindo figuras demoníacas, com elementos de religiões de matriz africana, como a umbanda. 

A segunda metade dos anos de 1990 e o começo da década seguinte foi possivelmente o período em que Ozias mais produziu. Isso foi resultado do apoio que recebeu do fundador do Museu Internacional de Arte Naïf do Rio de Janeiro (MIAN), Lucien Finkelstein, que incorporou um grande número de suas obras à coleção do museu. A partir dessa aproximação e interlocução, Ozias realizou diversas séries de trabalhos em pintura, incluindo trens, cenas de carnaval e outras festas populares, cenas religiosas, paisagens naturais com animais, esportes, e cenas da história da escravidão de africanos no Brasil. Em 2001, participou de uma mostra coletiva de artistas do MIAN no Museu Olímpico de Lausanne, na Suíça, que incorporou uma de suas pinturas ao acervo.

Ozias produziu intensamente até seus últimos anos de vida, vivendo da aposentadoria de mais de três décadas de trabalho como ferroviário e do complemento proveniente da venda de suas obras. Quando sofreu um AVC em 2010, decidiu voltar para sua terra natal, onde faleceu no ano seguinte, deixando uma esposa e os três filhos de seu primeiro casamento. 

EN

Odoteres Ricardo de Ozias was born in Eugenópolis, Minas Gerais, the son of humble rural workers. He spent his childhood and youth amid the landscape of the Minas Gerais forest region, but lived most of his life in Duque de Caxias, Rio de Janeiro. From 1963 onwards, he worked at Rede Ferroviária Federal S.A., performing various roles, such as shunter, ticket clerk, and gatekeeper. It was in this last position that he had his first and unusual contact with art: to avoid falling asleep during idle hours at the gate of Central do Brasil station, he began to draw and paint with materials he found around the office. His unpretentious activity caught the attention of an engineer who asked him to collaborate on the illustrations for the book Madeiras da Amazônia: identificação de 100 espécies (Rio de Janeiro: RFFSA, 1981). A few years later, another engineer from the railway company was responsible for presenting Ozias' work to a commission that selected him for the 30th edition of Sala do Artista Popular (Popular Artist's Room), a program run by Funarte and the National Folklore Institute of Rio de Janeiro, which held the exhibition Ricardo de Ozias: pinturas (Ricardo de Ozias: paintings) in 1987. The exhibition was fundamental in Ozias' career, both for initiating the institutionalization of his work, with the incorporation of three paintings into the collection of the Edison Carneiro Folklore Museum, and for contributing significantly to the popularization of his paintings, which motivated him to continue producing. 

In the late 1980s and throughout the following decade, Ozias participated in dozens of solo and group exhibitions in the popular and “naïf” art circuit, including exhibitions in Europe, such as a group show at the Brazilian embassy in Paris and the International Triennial of Naïf Art I'NSITA 94 in Bratislava. In Rio de Janeiro, he was one of the founding members of CAPA (Casa do Artista Plástico Afro-Brasileiro), an association that supported the work of black artists. At that time, Ozias' paintings mainly depicted rural scenes, as well as some urban and religious representations. A very devout man (he was pastor of his own Assembly of God temple in the 1970s and 1980s), Ozias produced a voluminous body of paintings with a unique and intensely figurative syncretism, mixing signs of Catholicism and Protestantism, including demonic figures, with elements of African-based religions such as Umbanda. 

The second half of the 1990s and the beginning of the following decade was possibly the period in which Ozias produced the most. This was the result of the support he received from the founder of the International Museum of Naïf Art in Rio de Janeiro (MIAN), Lucien Finkelstein, who incorporated a large number of his works into the museum's collection. From this rapprochement and dialogue, Ozias produced several series of paintings, including trains, scenes from carnival and other popular festivals, religious scenes, natural landscapes with animals, sports, and scenes from the history of African slavery in Brazil. In 2001, he participated in a collective exhibition of MIAN artists at the Olympic Museum in Lausanne, Switzerland, which incorporated one of his paintings into its collection.

Ozias produced intensely until his last years, living off his retirement from more than three decades of work as a railroad worker and the income from the sale of his works. When he suffered a stroke in 2010, he decided to return to his homeland, where he died the following year, leaving behind a wife and three children from his first marriage. 


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